JOSE ALBERTO WENZEL
Há um ano, aos 19 dias de janeiro, um jacarandá da Praça da Matriz de Porto Alegre veio ao chão, esparramando troncos e galhos em profusão não adivinhada por quem distraidamente o tivesse contemplado pelos anos afora. Neste mesmo ano, também nos primeiros dias de janeiro, caiu a ponte na RSC 287, sobre o rio Jacuí, entre Agudo e Restinga Seca. O rio em sua torrente, subitamente avolumada, engoliu a massa de concreto, ferro e asfalto, levando consigo cinco vidas humanas, além de lavouras e tantas outras instalações.
Passado o ano, foi erguida uma nova ponte, executada em tempo recorde, constituindo-se em um feito digno de reconhecimento e de retrospectiva visível, atestado abonador da engenhosidade humana. Já o jacarandá permanece em sua condição de mazela. Seu cerne devassado, preenchido por outra massa de restos de construção, amargura o mesmo ferro retorcido, agora dobrado no concreto desprezado.
Tanto se fez e se promoveu neste ano recém-findo, enquanto ao jacarandá se lhe prolongou a agonia. Se pródigos em grandes, meritórias e indispensáveis feitos, permanecemos parcos em reconhecer o valor da sombra, da beleza, da absorção de gases e ruídos, da percolação das águas, do abrigo e ninho da biodiversidade, da oxigenação do ar, que uma árvore graciosamente nos oferta, energizada pela fotossíntese solar.
O vazio da praça, por outro lado, nos cochicha para algo que estamos perdendo: a vida natural, mesmo que incrustada nas frestas urbanas. Por mais que avancemos em tecnologia e bem-estar, não haverá árvore de plástico e metal que nos impedirá da morte, que esta não é artificial, é naturalíssima. Morte, que nos advirá, inexorável, mesmo que retardada ao máximo, como chegou ao marginalizado jacarandá da Praça da Matriz. Talvez o tempo não nos permita construir pontes do artificial ao natural.
geólogo da Fepam
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