Júlio, da Banca da Praça da Alfândega, é uma pessoa notável. Conversa com pássaros, e sua banca lhes serve de aconchego e referência. Perguntei-lhe se estava aumentando o número de aves no centro de Porto Alegre. Após responder afirmativamente, acrescentou que são muitas as espécies que por ali convivem. Falou de pica-paus, beija-flores, sabiás e outros.
Não todos os dias, mas seguidamente, ao levantar pela manhã, observo do 21º andar de um prédio da Riachuelo um casal de papagaios que se junta a outros tantos numa revoada em direção à Praça da Matriz.
Nas andanças pelas cidades do Estado, percebe-se a mesma tendência: está aumentando sensivelmente a presença de pássaros que anteriormente eram mais vistos nas zonas rurais e no que nos resta de matas. Porto Alegre, pelas águas e ilhas do Guaíba, pelo considerável espaço verde de suas praças e jardins, pelo cuidado que tem sido dispensado pela grande maioria de seus habitantes, tem-se tornado um território muito especial de aves urbanas.
Paradoxalmente, é nas cidades que se avoluma o esgoto não tratado. Ainda que os atuais esforços nos permitam chegar em breve a 20% dos nossos dejetos purificados como média no Estado, hoje temos apenas um percentual de 13,6% sendo efetivamente tratados. Igualmente, é nas cidades, especialmente Porto Alegre, que se perfilam pessoas enroladas em trapos ao longo das calçadas que, de alguma forma, se protegem sob marquises, que rapidamente estão sendo cercadas por grades e portões de ferro.
Somem-se ao esgoto o ruído e emissões gasosas dos motores, as agressões insensíveis do trânsito, a competitividade desenfreada do dia a dia e o apelo insistente ao consumismo.
Se maravilhados, por um lado, pela presença crescente de pássaros, obscurecidos ficamos, por outro, pelas mazelas humanas que igualmente crescem.
Estamos na semana do Meio Ambiente. Ambiente não é apenas a natureza intocada ou conquistada dos seres que ainda imaginamos ou pretendemos belos em seu aspecto natural, é também a criatura humana, que, por tirocínio próprio se permite construir seu hábitat, desconstruindo o seu entorno e inaugurando paisagens novas, de muito concreto, ferro, fumaça, barulho e semelhantes, largados sem nome sob marquises cercadas, que se lhes negam o último refúgio frente ao inclemente inverno gaúcho.
*Geólogo e ambientalista - Artigo publicado no Jornal Zero Hora em 02/06/2010
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